quarta-feira, 1 de agosto de 2012

O livro, a literatura e o computador



            O texto de Sérgio Bellei elucida a importância do livro como elemento fundamental na apreensão de conhecimento. O autor se refere a uma ruptura cultural que ocorre, o livro é uma instituição que representa formas sociais e institui valores para um determinado grupo. Desse modo, o livro é uma entidade que insere subjetividades na sociedade. Na Idade Média, a literatura obteve essa dimensão subjetiva, devido às condições econômicas e à escassez de materiais, a leitura foi se tornando um ato individual e interior.
            Destarte, o livro além de instituir certas subjetividades, molda eticamente valores e interesses individuais ou de um grupo. O livro era visto como sagrado, como carne humana, materialização do corpo que permitia a formação intelectual do indivíduo. Antes mesmo da disseminação tecnológica e da popularização do computador, a instituição do livro já passava por uma ameaça. O livro perderia tanto a forma impressa e tocável, assim como o seu conteúdo literário constituído por um misto de sentimento e argumentação.
            A forma da percepção se transforma diante dos meios tecnológicos, em meados dos anos 90, a passagem do livro impresso para o divulgado eletronicamente rompe com a linguagem até então, comumente utilizada. Atualmente os livros disponíveis virtualmente são muitos, estes se tornaram repetitivos e sobrecarregados de dados. Perdeu-se a literatura, a emoção da subjetividade e o ato da leitura, a procura pelo conhecimento se tornou a vontade da sabedoria. A sabedoria é mais útil, mais fácil de ser encontrada, é uma forma de se conhecer o mundo e as leis que regem a vida.
            O indivíduo procura pelo imediato, o mundo do ciberespaço de relações digitais é uma perspectiva pós-moderna que simula o tempo do agora. A perda dessa percepção do tempo enquanto duração e o desinteresse nas narrativas interpretativas mostram que essas mediações eletrônicas remontam uma nova idéia sobre a subjetividade humana. Agora vista sob forma pessimista, a subjetividade é uma alienação do indivíduo.
            O surgimento do computador trouxe a ameaça ao livro impresso, o aparecimento do livro na tela fez com que a procura pelos livros impressos diminuíssem, assim como o acesso às bibliotecas. Ademais, a facilidade e o menor custo fizeram com que o livro fosse duplicado eletronicamente e modificado. O autor Sérgio Bellei, traz à tona um termo a partir dessas modificações que o meio eletrônico causou sob o livro, o hipertexto. A transição do meio impresso para o meio eletrônico, ainda não extinguiu a importância do livro, ele ainda atende a diversas necessidades culturais, sociais e pessoais que o computador ainda não satisfaz.
            Em suma, o meio eletrônico é outro viés para a leitura que facilita muitas vezes o armazenamento de textos e até mesmo a leitura. Entretanto, algumas necessidades intelectuais não prezam apenas a informação, mas a leitura reflexiva e atenta que o livro impresso propicia. O livro adaptado a essas tecnologias eletrônicas não substitui o livro enquanto impresso, são novas tecnologias, novas linguagens e meios de acesso.
            A possibilidade do fim do livro pode ser vista como uma adaptação tecnológica e uma transformação, o livro material se torna livro virtual. O texto e o hipertexto são formas de conhecimento, de apreensão e criação. Sérgio Bellei elucida acerca da diferença entre o hipertexto e o texto. O primeiro como uma estrutura de banco de dados, o segundo como um processo ou um movimento intertextual.
            O hipertexto, uma adaptação do texto escrito para o meio eletrônico, justapõe documentos alternativos e documentos elementares, incorpora informações contextuais a escritos. A nova forma de conhecimento, a procura pela informação imediata, subjaz à utilidade posta sob a leitura. O ato de ler toma outro significado diante da globalização, o hipertexto ganhou significado no cotidiano. O texto impresso não incorpora tantas informações como o hipertexto, surge desse modo, a edição crítica, um aparato tecnológico que ou uma soma de muitas informações.
            A edição crítica surge eletronicamente para remontar a idéia de um livro que traz muitas informações relevantes, uma tarefa da qual um livro impresso não conseguiria executar. Essa edição crítica é uma forma fragmentada e, por isso, não traz um conteúdo mais aprofundado ao leitor. O aprimoramento tecnológico do texto traz ainda uma transformação nos recursos visuais e auditivos. Sérgio Bellei discorre em seu livro sobre a utilização de recursos de hipertexto e hipermídia, que esses podem tornar acessíveis o sentido visual e o auditivo.
            Em suma, essas linguagens são possíveis no meio eletrônico e tornam mais fácil e de menor custo o acesso. Em contrapartida ao espaço linear, o texto eletrônico que se concretiza no espaço virtual abrange diversas perspectivas, visuais, auditivas e enfim, textuais. Essa justaposição de texto complementar e informações primárias, isto é, a edição crítica, é muito visível na produção intelectual no que tange a atualidade. As bibliotecas constroem acervos de hipertexto e hipermídia, há um uso simbólico desses elementos na apreensão da informação, do conhecimento e na vida cotidiana.
            O livro, a literatura e o computador, é uma obra que reelabora um tema muito importante nos dias atuais, a transição do livro impresso para as mídias eletrônicas. O autor, Sérgio Bellei, traz à discussão a possibilidade do fim do livro como muitos outros autores. O autor vê o fim do livro não como o acabamento da leitura por meio impresso, mas por mudanças advindas dos avanços tecnológicos.
            O livro eletrônico abre caminho para o espaço virtual, um meio de se obter mais informações e de explorar múltiplas perspectivas. Do mesmo modo que o texto impresso cria valores e interfere eticamente, criando grupos e definindo questões socioeconômicas, o texto virtual traz novos grupos e novos interesses individuais. A leitura instaurada no meio eletrônico se torna um interesse de mercado e também um problema. Seria uma crise no que respeita a apreensão do conhecimento e, por outro lado, um avanço no que tange o acesso à leitura e à busca de informação.
            O autor interpreta os dois lados, essas transformações que ocorrem no âmbito da tecnologia e as formas de que o homem se apropria para conhecer. Em suma, o fim do livro é para alguns o declínio da escrita e, para outros, o compartilhamento do saber. O texto impresso, que hoje eletronicamente se denomina por hipertexto traz além de informações primárias e complementares, os campos visual e auditivo como elementos agregados à leitura.
            Do livro impresso ao livro eletrônico, o que ocorre não é a morte ou o fim do livro, mas uma mudança onde o livro deixa de ter um corpo ou ser material e passa a não ser tocável, mas ganha uma dimensão visual diferente. Suas características se transformam em outras, virtualidade e facilidade. Texto e hipertexto possuem elementos em comum, o leitor pode reconstruir no hipertexto a sua leitura do texto impresso. Uma contribui para a outra e seus aspectos visuais e auditivos podem ser explorados da mesma maneira, assim como imaginação que em um ou outro nos direciona para a construção de contextos, na apreensão do conhecimento e na descoberta de novos caminhos.
           
           
           
            

segunda-feira, 30 de julho de 2012

A fenomenologia como caminho


Merleau-Ponty é um pensador central para se compreender a filosofia do século XX. Há uma brusca ruptura com a inauguração da sua filosofia, o discípulo da filosofia husserliana se destaca por seus estudos do corpo e a relação com a ciência. Merleau-Ponty dialoga com a cultura, a história, a experiência vivida, a linguagem, a arte e a ciência, temas inseridos pelo autor ao longo da sua trajetória filosófica. As principais preocupações do filósofo se davam pela problemática relação do homem com o mundo e pela perplexidade de uma filosofia que se propõe a reelaborar uma visão de mundo. A fenomenologia como um estilo de pensamento se coloca para Merleau-Ponty como a procura pelo sentido do sujeito no mundo. Dado que o filósofo enfatiza a existência do sujeito no mundo, a experiência humana é o cerne da sua redução fenomenológica.
A filosofia merleau-pontyana se caracteriza fundamentalmente pela crítica ao humanismo. Sua reflexão se origina a partir da obra Fenomenologia da percepção, os ensaios escritos pelo autor são obras que remontam os temas que revelam desde uma crítica política apoiada na teoria marxista a uma investigação ontológica. À luz da arte, do cinema, da pintura e da literatura, O visível e o invisível é um dos primeiros trabalhos publicados pelo autor. E Sinais é uma das obras que marca a passagem do filósofo de uma perspectiva fenomenológica para um estudo ontológico.
Na esteira do pensamento husserliano, tal filosofia influenciada pelo racionalismo cartesiano, Merleau-Ponty encara o cogito como algo posterior ao mundo pré-reflexivo. O ser corporificado é o sujeito no mundo que vê as coisas no mundo como um todo. Em contrapartida ao pensamento cartesiano, Merleau-Ponty enfatiza o “Ser atual”, o ser presente, o qual é indiviso e imanente. O ser que me faz ser vidente e visível, que faz parte do mundo e que anima o meu corpo. Nesse sentido, a noção de sujeito na filosofia merleau-pontyana é reelaborada para colocar o “ser-no-mundo” enquanto carne, enquanto parte desse mesmo mundo.
As primeiras obras de Merleau-Ponty mostram uma filosofia vinculada ao pensamento husserliano que ao longo de sua construção, se encaminha para um viés ontológico trazendo como primado o mundo pré-reflexivo. Numa filosofia em que a fenomenologia e o existencialismo se mostram bem entrelaçados, ele se aproxima de Husserl quando toma o Lebenswelt como ponto de partida de sua filosofia. O retorno ao mundo da vida é para Merleau-Ponty, a contribuição mais importante da filosofia husserliana. O autor se distancia de Husserl ao passo que minimiza o papel da consciência enquanto constituinte e atribui ao corpo uma dimensão sensível, papel que Husserl atribuíra ao sujeito transcendental. O logos do mundo sensível está nas origens da reflexão e ele subjaz todas as experiências do sujeito no mundo.
            O termo epokhé para Merleau-Ponty não é o distanciamento total do mundo vivenciado. Cada sujeito tem suas experiências no mundo e essas são possíveis somente no tempo e no espaço. O sujeito é “encarnado” ou “incorporado”, desse modo, a subjetividade humana é necessariamente corporificada. Nesse sentido, Merleau-Ponty traz uma redução que radicaliza a facticidade do ser heideggeriano e adentra o campo da experiência. Parte do Dasein para elaborar uma redução fenomenológica que, com o “espanto” diante do mundo, tem uma nova visão filosófica mediante a “volta às coisas mesmas”.
            O pensamento de Merleau-Ponty obteve grandes alcances, nos estudos sobre a percepção, a psicologia, a política e a arte, ademais, é uma nova perspectiva fenomenológica que enfatiza a temática da experiência. Uma filosofia que coloca a existência como ponto de partida para se compreender a relação do homem com o mundo, que põe em suspenso a ciência e a produção de conhecimento para redescobrir as raízes do pensamento. A filosofia de Merleau-Ponty quer no “espanto diante do mundo”, trazer a redução para a dimensão da experiência do sujeito.

"Que é Fenomenologia?", pergunta Merleau-Ponty. "É o estudo das essências', é uma "filosofia que recoloca as essências na existência'; "uma filosofia para a qual não se pode compreender o homem e o mundo senão a partir de sua facticidade"; "é uma filosofia transcendental" que coloca entre parênteses, para se compreendê-las, as afirmações da atitude natural; mas é também a filosofia para à qual o mundo é sempre "déjà lá" antes da reflexão. É além disso, "a tentativa de uma descrição direta de nossa experiência tal como é, sem levar em conta a sua gênese psicológica e as explicações causais do cientista. (Newton Aquiles, Fenomenologia e Existência: Uma Leitura de Merleau-Ponty p. 01)

            Desse modo, pensar na experiência fenomenológica do sujeito é necessariamente pensar em meio às noções exploradas pelo filósofo francês. Tema central na filosofia de Merleau-Ponty, a experiência é um aspecto sem o qual as noções de mundo, facticidade, intencionalidade, sensação e percepção não poderiam ser compreendidas. A experiência do sujeito tem como papel na fenomenologia merleau-pontyana, representar a extensão do que é o “ser-no-mundo”. Para se compreender esse pensamento, se torna fundamental tratar da relação do homem com o mundo e como ele cria consciência do mesmo. A experiência fenomenológica do sujeito faz uma volta ao mundo prévio, do qual “o conhecimento sempre fala”, "A verdade não habita o 'homem interior', ou antes, não há homem interior, o homem está no mundo e é no mundo que ele se conhece". (Merleau-Ponty, Fenomenologia da percepção)